terça-feira, 20 de outubro de 2015

Acaso imaterial


Sempre há um sentimento nostálgico para aqueles que apreciam o mundo da leitura. Geral­mente, quanto mais se lê, mais saudosista torna-se o leitor. Com Elisa não seria diferente. Nunca teve muito apego a forma material, e sim a forma imaterial do livro. O mais importante sempre foram as lembranças. Um livro razoável, deixava um número mediano de memórias, já uma boa obra marcava sua alma. O mais importante para ela era passar o livro a diante, compartilhar suas alegrias com os outros.
Sua ocupação era localizar possíveis novos leitores. Olhos atentos a todos que a cercava. Ficava atenta às conversas. Caso surgisse algum assunto que estivesse ligado a alguma obra, aproveitava a oportunidade e sugeria a leitura. Quando via que a pessoa não despertava interesse, uma onda depressiva tomava conta do seu ser. Como era possível alguém não gostar de ler? Mesmo assim, não desistia. Buscava um modo de falar sobre o assunto novamente, agora com o livro nas mãos. Quase sempre, tinha sucesso.
Com o passar dos anos, sua mente começou a lhe pregar peças. Memórias gloriosas começaram a se unir a outras menos glamourosas. Aquela ideia que antes, para ela, fora mal aproveitada pelo autor, passou a ter um novo sentido. Sua caixa de sentimentos díspares, deixou de armazenar e passou a procriar. Uma enxurrada de novas histórias começaram a surgir.
A leitura de novas obras, passou a ser interrompida por rompantes autonomísticos. Sua mente perdia-se na história original. Novas possibilidades eram criadas. Ficou preocupada. Sempre ouvia dizer que alguém conhecia outro alguém que ficara louco de tanto ler. Seria seu caso? Parar de ler seria impossível. Para ela ler e respirar eram necessidades básicas inerentes a sua vontade. Como resolver seu novo, inédito impasse. Tentou ir dormir para esquecer um pouco sua nova obsessão. Não deu certo. Seus sonhos em vez de levá-la a relaxar, pareciam que a empurravam para fora da cama. Seu braço pendeu para fora de seu leito. Sentiu um faiscar nos dedos. Acordou confusa e assustada. Para sua surpresa, em meio a bagunça de seu quarto viu no chão, ao lado da cama, um objeto que mudaria toda a maneira de ver o mundo.
Pegou-o do chão e então percebeu que ali estava a sua cura. Acendeu a luz e começou. Passaram horas. O tempo mudou, a chuva caiu. O som tintilar da água era a trilha sonora que faltava. A madrugada acabou. O dia nasceu e junto com ele sua primeira grande façanha. Sua caixa de sentimentos díspares, enfim, estava vazia. Respirou aliviada. Colocou o objeto sobre a mesa. Sentiu naqueles papéis, o som da conquista. Novas possibilidades estariam por vir.

Tudo fez sentido. O círculo fechou-se. Imaterial tornou-se material. Suas alegrias agora seriam compartilhadas de forma diferente. Da ávida leitora surgiu, uma nova escritora.

                                                                  Juliana Behrends de Souza

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