Não
é a consequência mais grave da nossa crise social, eu sei, mas você
já se deu conta de como, pouco a pouco, fomos nos afastando dos
nossos carteiros? Quem não mora em casa com cerca eletrificada,
arame farpado, seteira, guarita, jardim minado e a caixa de correio
longe da porta mora em apartamento e, a não ser no caso de carta
registrada, raramente vê a cara do seu carteiro.
Eles mesmos devem ter uma certa nostalgia do tempo em que precisavam bater nas nossas portas, e até dos ataques dos nossos cachorros. - Pelo menos havia um contato... Da próxima vez que o enxergar, abrace o seu carteiro e convide-o a entrar. Depois de se certificar que é carteiro mesmo e não assaltante disfarçado, claro. Defendo a idéia de que deveria haver porte de celular como há porte de arma, e não só para evitar - está bem, dificultar um pouco - que caia na mão dos bandidos.
Acho que o celular se juntará ao cigarro como um divisor da Humanidade. Com o cigarro pegamos o câncer dos outros, com o celular somos atacados pela intimidade dos outros, sem qualquer possibilidade de defesa. Você fica indeciso entre dois impulsos, o de sair de perto para não ouvir mais detalhes sobre o furúnculo da Adalgisa e chegar mais perto para ouvir os dois lados da conversa e ter, pelo menos, o consolo da bisbilhotice total.
Em geral não pode fazer nem uma coisa nem outra. Fica ali, semi-imerso na vida de outro e fingindo ser surdo. Um agravante é que as pessoas parecem adquirir, junto com o celular, uma desinibição de penitentes. Dizem tudo com furor confessional e para serem ouvidas no céu. Cresce uma rejeição ao celular parecida com a que o cigarro provoca nos não fumantes e logo haverá a segregação, setores só para os com-celular e avisos oficiais que o celular pode causar problemas de saúde para quem usa, como a defenestração. Mas desconfio que, do jeito que vai, nós, os sem-celular, é que acabaremos discriminados, reunidos em pequenos oásis de silêncio e recato enquanto todos à nossa volta se comunicam o tempo todo sem parar. Luis Fernando Veríssimo
Eles mesmos devem ter uma certa nostalgia do tempo em que precisavam bater nas nossas portas, e até dos ataques dos nossos cachorros. - Pelo menos havia um contato... Da próxima vez que o enxergar, abrace o seu carteiro e convide-o a entrar. Depois de se certificar que é carteiro mesmo e não assaltante disfarçado, claro. Defendo a idéia de que deveria haver porte de celular como há porte de arma, e não só para evitar - está bem, dificultar um pouco - que caia na mão dos bandidos.
Acho que o celular se juntará ao cigarro como um divisor da Humanidade. Com o cigarro pegamos o câncer dos outros, com o celular somos atacados pela intimidade dos outros, sem qualquer possibilidade de defesa. Você fica indeciso entre dois impulsos, o de sair de perto para não ouvir mais detalhes sobre o furúnculo da Adalgisa e chegar mais perto para ouvir os dois lados da conversa e ter, pelo menos, o consolo da bisbilhotice total.
Em geral não pode fazer nem uma coisa nem outra. Fica ali, semi-imerso na vida de outro e fingindo ser surdo. Um agravante é que as pessoas parecem adquirir, junto com o celular, uma desinibição de penitentes. Dizem tudo com furor confessional e para serem ouvidas no céu. Cresce uma rejeição ao celular parecida com a que o cigarro provoca nos não fumantes e logo haverá a segregação, setores só para os com-celular e avisos oficiais que o celular pode causar problemas de saúde para quem usa, como a defenestração. Mas desconfio que, do jeito que vai, nós, os sem-celular, é que acabaremos discriminados, reunidos em pequenos oásis de silêncio e recato enquanto todos à nossa volta se comunicam o tempo todo sem parar. Luis Fernando Veríssimo
Segundo o texto por que os carteiros já não estão presente em nossa vida diária??
ResponderExcluirNão sei
ResponderExcluirExplique a comparação feita pelo narrador entre o hábito de fumar e o de usar celular.
ResponderExcluirn sei de nada
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